“Getúlio está morto. Longa vida a Getúlio!”
“Getúlio
está morto. Longa vida a Getúlio!”
O projeto histórico de Vargas não é atual.
A atualidade está em sua Carta Testamento.
Não há, portanto, nenhum conflito real
entre o revolucionário e a tradição, exceto para aqueles que concebem a
tradição como um museu ou uma múmia. O conflito é efetivo apenas com o
tradicionalismo. Os revolucionários personificam a vontade da sociedade de não
se petrificar em um palco, de não se imobilizar em uma atitude. Às vezes, a
sociedade perde essa vontade criativa, paralisada por uma sensação de exaustão
ou desencanto. Mas então, inexoravelmente, seu envelhecimento e seu declínio
são verificados.
(José Carlos Mariátegui,
"Heterodoxia e decadência", 1927)
Hoje,
passados 66 anos, o chamado de Vargas na Carta Testamento ao protagonismo da
classe trabalhadora e a denuncia do domínio e espoliação dos grupos econômicos
e financeiros internacionais aliados a burguesia continuam atuais e são o maior
de seus legados.
Esse
documento histórico constata o esgotamento do projeto nacionalista
burguês de Getúlio, baseado na política de conciliação entre capital e trabalho e em plena
consolidação do imperialismo estadunidense na América Latina. O suicídio e a
carta testamento não obedecem a uma lógica de desespero, mas refletem o ato de
uma liderança política consciente do momento histórico, de seu papel junto às
massas trabalhadoras e, que deixa para as próximas gerações a clara orientação
de que um desenvolvimento voltado aos interesses das maiorias não é possível
nos limites impostos pelo capital aos países dependentes.
Com
a divulgação da Carta Testamento e os milhões de trabalhadoras e trabalhadores
indignados que saem às ruas no dia seguinte ao seu suicídio, atendendo ao
chamado da Carta Testamento, Getúlio entra para a história protagonizando o ato
fundador da superação dialética de seu projeto de nação para uma lógica nacionalista
popular. Essa lógica vai pautar uma reaproximação pela base de trabalhistas,
socialistas e comunistas na década seguinte, dando conteúdo ao crescimento
vertiginoso da esquerda a partir da mobilização popular pela Legalidade e da
ascensão da organização popular nas lutas pelas reformas de base no inicio da
década de 60.
O
legado de Vargas não foi uma amarra diluidora da ação das trabalhadoras e dos
trabalhadores brasileiros, mas um elemento formador de sua cultura e
experiências cujo legado ultrapassou a lógica de tentativas de cooptação
política. De 1954 a 1964, a cultura política dos trabalhadores apropriou-se
desse legado de acordo com suas experiências, expectativas e, sobretudo, com os
avanços na sua consciência de classe, operou deslocamentos em seus significados
e propósitos originais.
Foi
exatamente essa radicalização que levou em 1964, as mesmas forças políticas conservadoras
e reacionárias que levaram Getúlio ao suicídio, as classes dominantes aliadas
ao imperialismo, impedirem com um golpe de Estado que o movimento de lutas das
trabalhadoras e dos trabalhadores da cidade e do campo avançasse no processo histórico
da revolução brasileira.
Após
a ditadura, a maioria esmagadora do autoproclamado campo de esquerda e nenhum
dos governos federais eleitos ou com a participação desses setores ousou sequer
questionar a lógica do desenvolvimento associado e dependente do capital
internacional imposta à nação brasileira pelas burguesias agro-exportadora e
industrial associadas ao imperialismo desde o golpe militar.
Assim,
ao não retomar o fio da história da revolução brasileira chegamos a atual
conjuntura onde assistimos um brutal aumento da superexploração das
trabalhadoras e dos trabalhadores da cidade e do campo e a destruição da
pequena e média burguesia e dos pequenos e médios camponeses, estraçalhados
pelo brutal processo de concentração nos meios de produção e distribuição
causadas pela crise econômica, aprofundados pelas medidas antipopulares e
entreguistas dos governos de Temer e Bolsonaro.
Perante
essa realidade alguns setores políticos apelam a um tradicionalismo varguista que
aponta uma “atualidade” do projeto histórico nacionalista burguês de Vargas que
impossibilita perceber a necessária e histórica superação criativa da tradição vinculada
a esse legado nos dez anos de acirramento da luta de classes que se seguiram ao
seu suicídio.
Um
projeto histórico vinculado aos interesses das trabalhadoras e trabalhadores da
cidade e do campo em nosso país tem de reconhecer a "palavra operária e
popular" na lógica de solidariedade que prevaleceu na mobilização política
do povo trabalhador em torno à tradição do legado de Vargas, mas, por outro
lado, tem de entender que essa tradição foi superada dialeticamente pelo nacionalismo
popular de Jango que por sua vez estava sendo historicamente suplantado pela
ótica nacionalista revolucionária identificada estrategicamente com o
socialismo defendida por Brizola.
Resgatar
o legado de Vargas no atual momento histórico significa resgatar o fio da
história desse passado de lutas do povo trabalhador que aponta para a
necessidade de superação do Estado burguês fruto da retomada da Revolução
Brasileira e não na distopia de um nacionalismo desenvolvimentista nos marcos
do capitalismo dependente.
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