Alguns Apontamentos sobre a Quarta Teoria Política de Dugin: A Reação Fascista sob Novo Disfarce

Por Aurelio Fernandes[*]

A Quarta Teoria Política (QTP) de Aleksandr Dugin, com sua rejeição tanto do liberalismo quanto do socialismo e do fascismo, propõe um caminho alternativo baseado na tradição, na multipolaridade e na identidade civilizacional. Do ponto de vista marxista-leninista, a QTP se revela, em sua essência, uma ideologia reacionária que, apesar de sua retórica antiliberal, serve para ocultar as contradições de classe e legitimar novas formas de opressão.

A Falácia da "Tradição" e a Negação da Luta de Classes

Dugin eleva a "tradição" a um princípio organizador central, buscando uma suposta essência civilizacional que transcende a história e as relações sociais materiais. Para o marxismo-leninismo, essa abordagem é idealista e metafísica. A tradição não é um dado imutável, mas sim um produto das relações sociais e econômicas em constante transformação. A QTP ignora a luta de classes como motor fundamental da história, dissolvendo as contradições entre exploradores e explorados em uma busca abstrata por uma identidade coletiva.

Ao focar na tradição, Dugin desvia a atenção da exploração capitalista e das contradições inerentes ao sistema de produção. Em vez de questionar a propriedade privada dos meios de produção e a apropriação do mais-valor, a QTP propõe um retorno a estruturas sociais que, na prática, tendem a solidificar as hierarquias existentes e a reprimir qualquer movimento revolucionário que busque a emancipação das classes oprimidas.

Multipolaridade: Uma Cortina de Fumaça para o Imperialismo

A defesa da multipolaridade por Dugin, embora aparentemente antagônica à hegemonia unipolar ocidental, não representa uma alternativa progressista para os marxista-leninistas. A QTP não questiona a natureza de classe dos estados ou as relações imperialistas entre as potências. Pelo contrário, ela pode, em última instância, legitimar a formação de blocos imperialistas rivais, onde a exploração e a dominação persistem, apenas sob diferentes disfarces.

Para o marxismo-leninismo, a verdadeira superação da unipolaridade não reside na criação de múltiplos polos de poder imperialista, mas sim na construção de um mundo socialista, onde as relações internacionais sejam baseadas na solidariedade entre os povos e na superação de todas as formas de exploração e opressão, tanto dentro das nações quanto entre elas. A multipolaridade de Dugin pode, paradoxalmente, levar a uma intensificação das rivalidades geopolíticas e a uma maior instabilidade global, em vez de uma verdadeira paz e cooperação.

A Questão do "Dasein" e o Irracionalismo Antiproletário

A ênfase de Dugin no conceito de "Dasein" (ser-aí) de Heidegger como o "ator" da Quarta Teoria Política, e a primazia dada a elementos metafísicos e existenciais, revela um irracionalismo inerente. O marxismo-leninismo, pautado pelo materialismo dialético e histórico, busca compreender o mundo a partir de suas bases materiais e suas leis de desenvolvimento. A QTP, ao invés disso, recorre a abstrações que obscurecem a análise concreta das relações de classe e das contradições econômicas.

Essa inclinação ao irracionalismo serve para minar a capacidade revolucionária do proletariado. Ao invés de uma compreensão científica das leis que regem a sociedade e a identificação do proletariado como a classe revolucionária capaz de transformar o mundo, a QTP oferece uma visão nebulosa onde as identidades são construídas em torno de elementos culturais e espirituais, desviando a atenção da luta pela libertação econômica e social.

Similitudes com o Fascismo

Apesar de Aleksandr Dugin rejeitar explicitamente o fascismo como uma das ideologias “falidas” do século XX, a Quarta Teoria Política (QTP) retoma diversos elementos centrais dessa corrente de forma reconfigurada. Para o marxismo-leninismo, essa aproximação não é meramente conceitual, mas material e política: a QTP cumpre uma função histórica semelhante à do fascismo, atuando como resposta reacionária a atual crise do capitalismo e buscando suprimir a luta de classes sob o manto da unidade mística e da identidade civilizacional.

1.       Negação da luta de classes e unidade orgânica
Tanto o fascismo quanto a QTP substituem a centralidade da luta de classes por uma noção idealizada de “povo”, “nação” ou “civilização”. Apagam as contradições entre exploradores e explorados, propondo em seu lugar uma unidade abstrata baseada em mitos culturais e espirituais. A QTP, ao elevar o “Dasein” coletivo como sujeito histórico, dissolve a agência revolucionária do proletariado numa névoa ontológica, tal como o fascismo dissolvia o operariado na mística da pátria e da raça.

2.       Culto da tradição e rejeição da modernidade
Ambas as ideologias fazem do “retorno à tradição” uma resposta à crise moderna, rejeitando os valores do Iluminismo, da racionalidade e do progresso científico — pilares fundamentais do pensamento marxista. Essa postura anti-iluminista e conservadora serve para reforçar estruturas sociais hierárquicas, autoritárias e patriarcais, legitimando a repressão das forças populares organizadas.

3.       Autoritarismo e antidemocracia sob nova roupagem
Assim como o fascismo exalta o chefe carismático e a autoridade centralizada, a QTP justifica regimes autoritários em nome da preservação da identidade civilizacional. Sua crítica à democracia liberal não tem como objetivo a construção de formas superiores de democracia popular ou socialista, mas sim a imposição de ordens verticais em que o povo é objeto de tutela espiritual e não sujeito ativo da história.

4.       Irracionalismo filosófico e despolitização do proletariado
A apropriação de Heidegger por Dugin revela uma tendência clara ao irracionalismo. Em lugar de uma análise científica da realidade social, a QTP promove uma ontologia mística do “ser civilizacional”, o que impede qualquer ação política emancipadora com base em interesses de classe. Esse irracionalismo também foi típico do fascismo, que buscava mobilizar as massas não por consciência, mas por paixão, fé cega e culto ao destino.

5.       Multipolaridade como reorganização imperialista
A defesa de uma ordem multipolar não representa, para Dugin, a superação do imperialismo, mas sua redistribuição em blocos autoritários rivais. Assim como o fascismo histórico se apresentou como alternativa ao liberalismo ocidental, apenas para instaurar novas formas de dominação imperialista, a QTP propõe uma reação geopolítica que mantém intactas as estruturas de exploração — apenas sob novas bandeiras.

Conclusão: Uma Ideologia reacionária
Em suma, a Quarta Teoria Política de Aleksandr Dugin, sob uma roupagem de "alternativa" aos grandes paradigmas ideológicos do século XX, apresenta-se, da perspectiva marxista-leninista, como uma ideologia reacionária. Ela desvia a atenção das verdadeiras contradições de classe, legitima novas formas de dominação (seja sob a forma de novos blocos imperialistas ou de regimes autoritários em nome da "tradição") e nega a capacidade revolucionária do proletariado.

Para os marxistas-leninistas, a verdadeira resposta aos problemas do mundo contemporâneo não reside no retorno a um passado idealizado ou na formação de novos blocos de poder, mas sim na luta intransigente pela superação do capitalismo, pela emancipação das classes trabalhadoras e pela construção de uma sociedade socialista sem exploração, opressão ou antagonismos de classe. A QTP, ao contrário, serve como um reforço ideológico para o status quo reacionário, mascarando a persistência da exploração sob novas narrativas e identidades.

Assim, a Quarta Teoria Política, sob uma retórica antiliberal e "alternativa", atualiza os principais traços do fascismo: idealismo irracional, culto à tradição, supressão da luta de classes, autoritarismo disfarçado de identidade civilizacional e legitimação de novos imperialismos. Para os marxista-leninistas, ela representa não apenas um erro teórico, mas um grave perigo político: um projeto ideológico pensado para neutralizar qualquer possibilidade revolucionária real e reconfigurar a dominação de classe sob novos símbolos.



[*] Mestre em Ensino de História, professor da rede estadual do Rio de Janeiro e educador popular. Membro do Centro Ruy Mauro Marini e militante do PCBR.



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