Carta aberta aos militantes e dirigentes do PDT

18 de abril de 2002

Os rumos do PDT e a política do fato consumado.

Conte-me, e eu vou esquecer.
Mostre-me, e eu vou lembrar.
Envolva-me, e eu vou entender.
Confúcio

Sempre há o que aprender, ouvindo, vivendo
e, sobretudo, trabalhando, mas só aprende
quem se dispõe a rever suas certezas.
Darcy Ribeiro

Em meus 21 anos de PDT, discutir os rumos de nosso partido sempre me fascinou. Uma corrente política popular com quase 60 anos de luta tem um papel importante a cumprir em um país onde a miséria e a fome nunca foram uma fatalidade e sim um crime de lesa-pátria.

Por outro lado, o que paulatinamente fui percebendo, surpreendentemente, é que a maioria esmagadora dessas discussões sempre se deram à margem das instâncias partidárias. Para participar minimamente daquelas, é necessário atrelar-se a algum parlamentar ou grupo de interesse dentro do partido que tenha acesso à “maçaneta” da porta de tais discussões. Aqueles funcionam como porta-vozes do posicionamento desse “agrupamento” nas discussões reservadas às “elites partidárias”.

As instâncias formais apenas são ouvidas quando as decisões já estão tomadas pelos considerados “cidadãos partidários” - elites partidárias abençoadas pelo voto, pela representatividade histórica, pela amizade ou parentesco - e as “massas” – dirigentes intermediários e de base e os militantes-cabos eleitorais - são convocados para referendar o consenso das elites partidárias. Reproduz-se no partido a lógica perversa de nossa sociedade capitalista entre os que pensam e os que fazem, entre os “cidadãos” e as “massas”.

No começo, essa realidade ficou obscurecida pela coerência e experiência histórica da esmagadora maioria dos “cidadãos” que tomavam as decisões pelo partido. Lutadores sociais como Leonel Brizola, Luiz Carlos Prestes, Edmundo Moniz, Adão Pereira Nunes, Francisco Julião, Neiva Moreira, Bayard Boiteux, Amadeu Rocha, Brandão Monteiro, Doutel de Andrade, apenas para citar alguns deles.

De um tempo para cá, porém, essa representatividade foi comprometida pelo tempo. Para nossa tristeza, esses lutadores não são eternos. Através de seu exemplo deixam ensinamentos para que as futuras gerações utilizem como instrumentos da luta popular. A falta de organicidade de nosso partido somada à crise existente nos movimentos sociais e políticos favoreceram o voto de máquina eleitoral e não ideológico e a falta desses companheiros levou a uma hegemonia nas decisões partidárias dos “cidadãos partidários” abençoadas pelo voto e pela amizade ou parentesco.

A partir daí, o partido aprofundou sua contradição principal entre a hegemonia do brizolismo na definição de nossas bandeiras políticas e a hegemonia do eleitoralismo e do liberalismo na definição das ações políticas e organizativas, o que nos encaminhou a uma série de divisões onde “cidadãos partidários abençoados pelo voto” como Cesar Maia, Marcelo Alencar, Dante de Oliveira, Jaime Lerner, Garotinho, aliados a uma parcela “dos abençoados pela amizade ou parentesco”, tentavam tomar de assalto o partido e impor seus projetos pessoais e eleitoreiros.
Nesses momentos, por absoluta falta de discussão política e vida partidária permanente nas instâncias, grande parte da “massa” do partido deixou-se levar pelo discurso fácil da falta de democracia interna, por parte daqueles que sempre se locupletaram da mesma, e acompanham essas “novas lideranças”. Com tudo isso, o PDT, que foi o maior partido de esquerda do Brasil na década de 80, foi perdendo densidade política e eleitoral e se tornou um pequeno partido nos anos 90.

Hoje, nada mais obscurece a política do fato consumado que vem levando o partido à falta de renovação de dirigentes, sua descaracterização e esvaziamento. Nossos “cidadãos” continuam a tomar decisões sem consultar as “massas”.

Não é de hoje que vários militantes e dirigentes intermediários tentam discutir estas questões nas instâncias partidárias. Para nossa tristeza, são rotulados como “dissidência”, “esquerdistas”, “revolucionários”, “malucos”, “os que querem tomar o poder partidário”, como “aqueles que a tudo questionam” e até mesmo de “facção trotkista”.

É notório que nem os que proclamam essas imbecilidades acreditam nelas. Tentam utilizá-las para fugir da discussão central, que é a necessidade de romper com essa lógica perversa, sob pena de nosso projeto histórico, que expressamos com tanta clareza na Carta de Lisboa e em nosso Programa e Manifesto, sejam comprometidos, restando, apenas, mais uma mera sigla eleitoral de aluguel.

Nos últimos meses ao invés de enfrentar essa questão e mudar a realidade de esvaziamento a partir de uma nova metodologia de trabalho político, a “elite partidária” opta por aprofundar a política do fato consumado e, baseada no eleitoralismo e no liberalismo traça uma estratégia para sua sobrevivência, que tem como tática a implementação, já em curso, do processo de fusão do PDT com os neotrabalhistas e neocomunistas de direita do PPS e do PTB através da candidatura de Ciro Gomes.

Isso tem resultado em um processo político esquizofrênico.
Perante a resistência de militantes e dirigentes intermediários à política de fato consumado em relação a “Frente Trabalhista” e a candidatura Ciro Gomes, a direção nacional vem afirmando que ainda não existe decisão sobre a “Frente Trabalhista” e o apoio a Ciro. No lançamento da "Frente Trabalhista que não existe", Brizola declara que o primeiro teste da coligação seria a votação relativa a participação de capital estrangeiro nos meios de comunicação. Na votação o PDT fica isolado e não se ouve um só questionamento. Pelo contrário, Brizola afirma na Convenção do PPS que a Frente “está virando um partido”. Em artigos no Globo, pagos pelo PDT e FAP, lê-se que o desafio da Frente Trabalhista é consolidar-se como a base que permita Ciro Gomes ganhar as eleições; que a "Frente Trabalhista" já é uma realidade e quais os motivos que levam o PDT a apoiar a candidatura de Ciro Gomes.

Enquanto Lula e Ciro disputam quem tem mais competência para ser palatável à classe dominante, Brizola critica pela esquerda os desvios direitistas da candidatura Lula do PT pelos “acenos” programáticos que o mesmo faz com o neoliberalismo e por sua postura arrogante; por outro lado a Frente Trabalhista coloca-se arrogantemente como o maior "partido" de oposição e o único com possibilidades de vencer as eleições e o PPS/PTB afirmam que a Frente Trabalhista é a opção ao "esquerdismo" de Lula. Brizola critica corretamente a proposta de aliança do Lula com o PL (IURD), mas afirma, contraditoriamente, por outro lado, que a aliança com o PFL (ARENA) é bem-vinda e que é mais fácil “fazer política de esquerda com a direita”, no que é questionado pelo senador Roberto Freire, aquele que Brizola sempre questionou por entregar os documentos do PCB à Fundação Roberto Marinho.

Perante a toda essa realidade, a base social do PDT fica perdida e caminha lenta e equivocadamente em direção à candidatura de Lula, fortalecendo os setores petistas que hoje se comprometem única e exclusivamente a serem obedientes gestores da crise econômica e social brasileira.

Ao não cumprir o seu papel o PDT faz com que Brizola se resuma a ser o enfeite de "esquerda" na conservadora "Frente Trabalhista Liberal" que está se formando em torno a candidatura Ciro Gomes. O PDT necessita assumir inequivocamente uma candidatura que assuma um programa de transformações reais para o país, que não se resuma a ser oposição a FHC e consiga canalizar o sentimento de rebeldia de nosso povo trabalhador.

Ainda há tempo de mudar, o PDT precisa de um amplo processo de discussões internas onde fraternalmente possamos discutir uma real estratégia para 2002. Poderíamos apoiar e participar de uma frente eleitoral, porém o candidato, o programa e a articulação partidária devem ser coerentes com nossos princípios e história de lutas. Por que não uma frente em torno a candidatura de Brizola e um programa nacionalista e popular para o Brasil ? O PPS e o PTB apoiariam essa frente ?

Vale refletir sobre as palavras de Brizola em 1979: “De pouco adiantará que nós, trabalhistas, amanhã, concorramos a eleições, elejamos companheiros prefeitos, governadores, presidente da republica. Isto nada significará, pelo contrário, será até um retrocesso se essas responsabilidades na condução do País forem conquistadas sem que tudo isso seja respaldado por um grande partido, por quadros preparados e por soluções alternativas antecipadamente estudadas. Porque isto seria a condução de um companheiro para um cargo com uma multidão desorganizada atrás. O próprio presidente Vargas teve que dar um tiro no coração porque, para respaldá-lo, não havia o povo organizado. Essa é a nossa grande tarefa. E se nós necessitarmos permanecer anos e anos na oposição organizando o nosso partido, não tem importância. O essencial é que o partido se organize e adquira as dimensões que o nosso povo necessita para que então esse partido seja o seu instrumento.”

Revolucionariamente,
Aurelio Fernandes

40 anos, milita ininterruptamente no PDT desde 1982 é historiador com especialização em História do Brasil e sindicalista.
Membro do Diretório Estadual do Rio de Janeiro e suplente do Diretório Nacional e ex-diretor da Fundação Alberto Pasqualini.
Foi dirigente nacional da Juventude Socialista do PDT por quatro mandatos.


Ousar sonhar com uma Pátria livre!
Ousar lutar como brizolista !
Ousar vencer com a libertação nacional e o socialismo !
Venceremos !

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