O QUE A IMPRENSA NÃO DIZ (SOBRE A LÍBIA).

(Ernesto Germano) – 02/03/2011

Tenho acompanhado atentamente o noticiário sobre os acontecimentos na Líbia e, cada vez mais, impressiono-me com a capacidade da nossa imprensa “tão livre” para deturpar fatos, esconder dados e reproduzir apenas aquilo que os donos da informação desejam que seja divulgado.

Não há isenção ou mesmo equilíbrio nas matérias. A velha regra de “ouvir as duas partes” parece ter sido esquecida pelos nossos jornalistas.

Em alguns jornais de hoje (02/03), as notícias procuram mostrar o povo líbio como pobre e igualam as condições de vida às encontradas no Egito ou na Tunísia, países onde o povo foi para as ruas para derrubar o regime. Mas esta é uma comparação mentirosa!

A Líbia tem uma balança comercial superavitária, superando 27 bilhões de dólares por ano, e uma renda “per-capita” média da população equivalente a 12 mil dólares. Isto significa seis vezes a renda média do Egito, por exemplo!

O país tem 6,5 milhões de habitantes, com um padrão de vida elevado para a região. Comprova isto o fato de cerca de 1,5 milhão de imigrantes viverem na Líbia, onde encontram trabalho e salário digno.

Aliás, este é um ponto curioso para analisarmos. Nos jornais de ontem, principalmente no Globo, vimos uma manchete dizendo que “milhares de imigrantes fogem da Líbia”. Ora, a notícia até seria interessante, para quem não tem um dado comparativo. Mas, se “milhares” fogem do país, o que significa isto se lá residem quase dois milhões de imigrantes?

Ainda tratando da economia líbia, os nossos jornais (tão preocupados com os leitores e a qualidade da informação) esquecem de dizer que a Líbia é um país de economia aberta. A empresa petrolífera italiana ENI realiza cerca de 15% das suas vendas a partir da Líbia, mas não é a única. Lá também operam outras “gigantes” como a BP, a Royal Dutch Shell, a Total, a Basf, a Statoil, a Repsol e muitas outras. A Gazprom (russa) também opera no país, com centenas de trabalhadores, e a empresa de petróleo chinesa tem mais de 30 mil funcionários trabalhando lá!

É verdade que Muamar Kadhafi já abandonou suas posições que o tornaram conhecido pela resistência ao imperialismo. Em 1969, quando assumiu o poder, iniciou uma política independente e nacionalizou o petróleo. Depois da guerra entre árabes e israelenses, ele liderou um boicote entre os países exportadores de petróleo contra os países que haviam apoiado Israel.

Kadhafi modernizou seu país, criando universidades e novas indústrias, além de realizar um incrível projeto de irrigação fazendo surgir uma agricultura desenvolvida onde havia apenas areias do deserto.

Em 1986 Ronald Reagan mandou bombardear a capital líbia. Em 15 de abril de 1986, Trípoli foi bombardeada por 13 modernos aviões dos EUA. O bombardeio terminou com a morte de Hanna, filha de Gaddafi, de 1 ano e 3 meses, e com outros dois filhos feridos. Hoje, o local ainda exibe os danos do bombardeio e a estátua foi erguida para relembrar o episódio.

Depois da Segunda Guerra do Golfo, Kadhafi começou a mudar sua política. Privatizou dezenas de empresas, aceitou a “receita” do FMI e abriu as fronteiras para as grandes empresas multinacionais. Começou neste momento a queda do país e a corrupção se alastrou!

Mas é preciso deixar de lado as notícias falsas da nossa imprensa e fazer uma reflexão sobre os acontecimentos na Líbia. Comparar a crise atual e o movimento oposicionista com o que aconteceu no Egito ou na Tunísia é desconhecer a realidade.

O que sabemos de concreto é que a oposição líbia surgiu em uma região onde há uma resistência muito grande ao clã Kadhafi. Mais do que isto, a Cirenaica é também a região onde operam as principais empresas multinacionais e onde estão os terminais de oleodutos e gasodutos do país. Ou seja, uma região que foi escolhida “a dedo” para ser o berço da “oposição”.

E esta informação tem ainda mais valor se ligarmos ao fato de que a chamada “Frente Nacional de Salvação da Líbia” é uma entidade financiada pela CIA (basta conferir no site do Congresso dos EUA e constatar que está na “folha de pagamentos” da Central).

No dia 23 de fevereiro, o poderoso “Wall Street Journal” já tocava as trombetas da guerra ao estampar em suas matérias que “os EUA e a Europa deveriam ajudar os líbios a derrubar o regime de Kadhafi”. É preciso dizer mais?

Vou completar este texto com algumas informações que já passei em outras participações sobre o tema.

Por que os nossos jornais tão “independentes” pararam de falar de outras revoltas populares (Bahrein, Iêmen, Argélia, etc.) e só comentam o que acontece na Líbia? Qual o interesse dos EUA nesta mudança, a ponto de seu governo anunciar, oficialmente, que está deslocando suas forças militares para a região e a secretária de Estado não descartar uma intervenção?

As revoltas populares na Tunísia e no Egito, derrubando governantes “capachos” dos EUA, foram duras, mas o governo de Washington parece suportar e preparar uma "volta ao poder" por outros meios. Mas os dois países não afetavam o principal neste momento: a questão do petróleo!

A Tunísia nunca exportou petróleo e o Egito parou de exportar há alguns anos (seus poços “secaram”).

Aqui está a diferença, pois a Líbia exporta atualmente 1,6 milhão de barris por dia! E a “urgência” dos EUA para resolver a questão líbia é que as empresas petrolíferas que operam no país estão retirando seu pessoal técnico. Isto pode provocar uma nova crise de petróleo.

É verdade que os países europeus estocaram petróleo para o inverno. Mas... e se os estoques diminuírem? Lembrem-se que a Arábia Saudita também está passando por revoltas populares e em uma crise política séria.

Em julho de 2008, antes da crise se espalhar pelo mundo, o barril de petróleo chegou a valer pouco mais de 147 dólares! Se o petróleo voltar a subir, na atual crise financeira mundial, o que restará aos EUA.

Os EUA, com apenas 5% da população mundial, consomem 25% de todo o petróleo produzido no planeta e metade deste total é importado. As importações estadunidenses alcançam 11 milhões de barris diários, dos quais: 1,6 milhão do México; 2 milhões da Venezuela e o restante do mundo árabe. Pelo que, podemos ver, o país é fortemente dependente da importação do petróleo, seja lá de onde ele estiver, o que justifica as intervenções militares no Oriente Médio e em outras regiões do planeta. (Os dados são de 2008, quando escrevi um artigo sobre o tema, mas creio não estarem muito desatualizados)

Devemos assinalar que o dado mais importante, recentemente divulgado e confirmado pelas organizações internacionais que tratam do assunto, é que as reservas totais de petróleo do planeta chegam, atualmente, a 1 trilhão e 200 bilhões de barris. Ou seja, isto representa, neste momento, pouco mais da metade de todo o petróleo que a natureza produziu em milhões de anos e guardou no subsolo. E, obviamente, este petróleo vai se tornando cada vez mais caro, uma vez que as jazidas em locais de fácil exploração vão se esgotando. E, devemos ressaltar, os institutos e organismos internacionais mostram que 62% do petróleo que resta no planeta está no Oriente Médio.

Para encerrar, uma notícia do jornal Brasil Econômico:

“Estoques de petróleo dos EUA recuam em 400 mil barris! As reservas da commodity atingiram 346,4 milhões de barris. Já os estoques de gasolina caíram em 3,6 milhões de barris na mesma base de comparação, ficando em 234,7 milhões. A utilização da capacidade das refinarias recuou para 80,9% nesta semana, face aos 79,4% na semana anterior. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (2/3) pelo Departamento de Energia dos EUA (DOE, na sigla em inglês)”.

É, parece que Obama & Cia estão com urgência em resolver o problema de “direitos humanos” na Líbia!

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