Entre notas de repúdio ou impeachment resta fazer história.


Por Aurelio Fernandes



“O desacordo entre o sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o ser humano acredita seriamente em seu sonho, se observa atentamente a vida, compara suas observações com o seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha conscientemente para a realização de seu sonho. Quando existe contato entre o sonho e a vida, então tudo vai bem.”
Lênin



Na atual realidade de quarentena e pandemia, enquanto centenas de pessoas morrem, muitas e muitos de nós se sentem impotentes politicamente. Muitos se perguntam como lutar ficando em casa e se notas de repúdio e/ou impeachment são estratégias de “luta” válidas para essa quadra histórica?

Temos de enxergar a realidade como ela é... A grande maioria da classe trabalhadora não está em quarentena ou está em quarentena parcial. As trabalhadoras e trabalhadores continuam trabalhando, tentando vender sua força de trabalho para sobreviver, ou sobrevivem informalmente, ou, ainda, tem que sair da quarentena para pegar as migalhas do apoio estatal ou burguês e para ações de autodefesa perante a pandemia. Se existem limites que a quarentena coloca para a luta de classes, eles são relativos em relação à maioria da classe trabalhadora e poderiam ser utilizados em estratégias políticas de enfrentamento.

O autoproclamado campo de esquerda - PT, PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PCB e UP - não utiliza esses espaços pois está perdido ante a pandemia, esse campo está perdido há muito tempo devido à hegemonia da conciliação de classes em suas políticas.

O setor majoritário desse campo - PT, PCdoB, PDT, PSB e setores majoritários do PSOL - tem de subestimar ou arrefecer o poder de mobilização e enfrentamento da classe para justificar os vários níveis de conciliação de classe propostos em seus projetos políticos.

Em nenhum momento esse campo coloca a força de mobilização protagônica das trabalhadoras e trabalhadores da cidade e do campo como instrumento determinante para buscar soluções. Na realidade, só usam muito parcialmente os seus "exércitos" em períodos eleitorais. Nem mesmo na deposição da Dilma ou nas lutas contra a destruição de nossos direitos ocorreram mobilizações de massas efetivas.

Nesse contexto, as notas de repúdio apelando à "consciência" de quem pode “fazer alguma coisa institucionalmente” se confunde com a saída meramente burocrático institucional do impeachment materializada em um #ForaBolsonaro nos marcos do parlamento e dos panelaços nas janelas e varandas da pequena e baixa burguesia e de setores da classe trabalhadora com salários mais altos.

Por outro lado, os setores minoritários desse autoproclamado campo de esquerda - setores do PSOL, o PCB e a UP - agem apenas como "consciência critica" dos setores hegemônicos, para ao fim, se submeterem, ainda que criticamente, a política majoritária. Com isso não conseguem firmar uma alternativa política. Basta observar as ultimas notas, inofensivas e inócuas, sobre a conjuntura, assinadas por todos os partidos desse autoproclamado campo de esquerda.

Realmente essa situação pode levar a essa sensação de não existirem políticas possíveis fora das notas de repúdio ou impeachment de Bolsonaro, mas a política deve a arte de tornar possível o impossível. Para romper com essas alternativas temos que priorizar a mobilização e organização das trabalhadoras e trabalhadores para enfrentar com efetividade essa política de conciliação de classe.

As organizações politicas anticapitalistas e revolucionárias, que estão hegemonizadas pelo setor reformista desse autoproclamado campo de esquerda, deveria iniciar um processo de demarcação clara de suas diferenças políticas.

Isso não significa não existirem possibilidade de unidade nas lutas concretas, mas aponta no sentido de deixar claro para a classe os limites dessa unidade: a conciliação de classes. Podemos bater juntos nas politicas da burguesia com os setores majoritários da esquerda institucional, mas devemos marchar separados. Isso significa efetivamente disputar a hegemonia, as direções políticas e, portanto, os rumos dos movimentos de luta populares e classistas, contribuindo para a educação política e a organização das trabalhadoras e dos trabalhadores em suas lutas de autodefesa e por reivindicações concretas.

Então, em um futuro, não tão longe quanto imaginamos, porém mais perto que acreditamos ser possível e com o ascenso do movimento de luta populares e classistas sob essa nova hegemonia, possamos intervir revolucionariamente, também, na política institucional para a retomada da revolução brasileira.

A estratégia de luta nessa quadra histórica deve ser o enfrentamento organizado das consequências para as trabalhadoras e os trabalhadores da cidade e do campo, das políticas burguesas de resposta à crise e a pandemia. Com certeza a burguesia não vai taxar as grandes fortunas, não vai garantir políticas sociais realmente comprometidas com a vida das classes dominadas ou reprimir as empresas que pretendam continuar produzindo. Durante a pandemia e após a mesma haverá um aumento exponencial da exploração e da miséria.

A burguesia pretende descarregar todo o “preço” da pandemia nos ombros das trabalhadoras e dos trabalhadores, da pequena e média burguesia e dos pequenos e médios camponeses. Para garantir isso, vai se utilizar da quarentena para acionar um sistema repressivo nas ruas, antecipando os conflitos políticos e sociais.

A classe trabalhadora ainda não tem os instrumentos ou o instrumento político para implementar plenamente esse enfrentamento. Existem pequenas organizações políticas que assumem essa perspectiva, mas que ainda não acumulam força política, e partidos e correntes partidárias inseridos no autoproclamado campo de esquerda – PCB, UP e setores do PSOL, que poderiam iniciar essa tarefa, mas, que submetidos a hegemonia da política de conciliação de classes, enfrentam grandes dificuldades para cumprir esse papel.

Resta-nos refletir sobre essa realidade e fazer história...

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