A VOLTA DE DOM SEBASTIÃO E O PAPEL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA
“[...] e quem quer que seja que tente fugir desta
verdadeira oposição criada pela vida, com frases sobre a "liberdade",
"igualdade", e "Democracia do Trabalho", é pura e
simplesmente, e na melhor das hipóteses, um paspalhão e, na pior das hipóteses,
um defensor hipócrita do capitalismo.”
Lenin
“Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as
propriedades privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as
leis amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois, fazerem a
terra escrava e escravos os humanos.”
Dom Pedro Casaldáliga.
As anulações das condenações ilegais e injustas de
Sergio Moro em relação a Lula, juiz declarado incompetente e em vias de se
tornar suspeito, acenderam uma grande comemoração. Mas, para além dessa justa alegria,
muitos retomam com jubilo a possibilidade de eleição em 2022 de um Lula
renovado e revolucionário que muito se assemelha ao mito da volta de Dom
Sebastião em Portugal.
Esse mito teve sua origem na segunda metade do século
XVI, surgindo da crença na volta de Dom Sebastião, rei de Portugal, que
desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, na África, no dia 4 de agosto de
1578, enquanto comandava tropas portuguesas. Como ninguém o viu tombar ou
morrer, espalhou-se a lenda de que El-Rei voltaria.
No caso de Lula, se ele nunca foi rei, com certeza na sua
trajetória política também não é um revolucionário. Mesmo vivendo as
consequências de sua injusta prisão, Lula continua se caracterizando como
liderança de uma esquerda reformista.
Lula afirmou claramente, quando defendeu o recurso à
justiça burguesa ao se deixar prender em S. Bernardo, que se ele quisesse fazer
uma revolução não fundaria um partido. Com essa afirmação reproduziu o
posicionamento equivocado que esquerda reformista é aquela que se limita às
reformas e que recusa a revolução, enquanto a esquerda revolucionária tem como
objetivo a revolução e recusa as reformas. Essa afirmação apenas corrobora que
afirmar que Lula pode vir a ser um revolucionário em 2022 é construir um mito
que não suporta qualquer análise concreta. Lula sempre defendeu as instituições
democrático-republicanas como meios de enfraquecer o antagonismo dos dois extremos,
capital e trabalho assalariado, e transformá-los em harmonia.
Quando muitos afirmam que um retorno de Lula à
presidência em 2020 poderia restituir a legitimidade ao estado brasileiro se
esquecem que falamos de um estado burguês e suas instituições e seguindo nessa
lógica, a política exterior desse estado seria a de um estado burguês e sua
liderança regional a liderança de um estado burguês.
Mas é assim, a esquerda reformista conduz a luta por
reformas apenas na estreita e limitada extensão que o interesse de classe
capitalista permite. Ela se empenha em exagerar o significado da reforma mais
discreta e mutilada. Ela não impele para frente a massa do povo em sua luta por
reformas; ela a detém. E ela procura limitar os métodos de luta àqueles que a
legalidade burguesa permite. A esquerda reformista só pode conduzir a luta por
reformas de uma maneira limitada e atrofiada.
No capitalismo dependente brasileiro esses limites são
tão estreitos que podemos afirmar que a esquerda reformista aposta em reformas
tão superficiais e conjunturais que acabam se desnaturando em social
liberalismo ou em um mero desenvolvimentismo pequeno burguês.
No capitalismo, e essa realidade se aprofunda
exponencialmente no capitalismo dependente, apenas quem está preparado para
levar adiante a luta por reformas, com a correspondente força do movimento de
lutas das.os trabalhadoras.res da cidade, do campo e da floresta e seus povos,
até a revolução, está apto a ir até o fim na luta por reformas.
Estamos falando da necessidade de estratégia e táticas
da esquerda revolucionária que luta também por reformas, ligando a luta pelas
reformas com a luta pela revolução. Ela orienta a luta por reformas para a
revolução, quando, a cada momento mostra a insuficiência de cada reforma e,
assim, aponta a necessidade da revolução. À medida que a esquerda
revolucionária conduz as lutas e reformas para o limite que corresponde à força
do movimento de lutas das.os trabalhadoras.res da cidade, do campo e da
floresta e seus povos, ela está preparada em cada momento, havendo força
suficiente, para fazer a luta por reformas transitar para a luta revolucionária
pelo poder.
Como vemos, a esquerda revolucionária também aposta na
luta por reformas mas subordina a luta pela reforma à luta pela revolução. Por
isso seria estupidez negar que a possibilidade da extrema direita e da direita
serem derrotados em 2022 traria vantagens imediatas para o povo trabalhador, no
sentido de que a repressão ao movimento de lutas será menor, haverá redução de
danos e alguns ganhos materiais temporários para as.os trabalhadoras.res. Porém,
o mais importante é que essa derrota permitirá maior espaço para a organização
e avanço da esquerda revolucionária, caso esse campo tenha aprendido que não pode
ir a reboque das políticas de governo e nem se contentar em ser satélite do partido
no governo em nome de supostos “movimentos táticos” ou de uma política de
“governabilidade”.
Mas sem ilusões, pois esse maior espaço para a esquerda
revolucionaria implementar suas políticas não significa que não haverá
violência por parte do Estado burguês (vide a lei antiterrorismo do governo de
Dilma/PT). Sempre haverá repressão de um governo oriundo da esquerda reformista
ou tentativas de golpe, caso esse movimento de lutas se agite - aprofundando as
lutas por suas reinvindicações por moradia, por terra, por emprego e contra a
carestia, por vacinação em massa, saúde e educação - como no Chile e Equador, ou organize essa
agitação como insurreição ou levante por dentro e/ou contra a ordem do capital
em processos de transições para o socialismo ou de transição socialista socialista
como acontece em Cuba, na Nicarágua nos anos 80 ou recentemente na Venezuela e na Bolívia.
Devido a essas vantagens imediatas, advindas da eleição
de Lula ou outro candidato da esquerda reformista, serem significativos para a
classe, não podemos cair na lógica binária das campanhas vote ou lute ou não
contribuiremos efetivamente para ao avanço da consciência de classe. Temos de
fazer uma análise da realidade concreta que permita apontar para a classe que
essas opções de votar no “menos pior” em 2022 – no caso Lula/Haddad ou suas
versões desnaturadas Ciro, Manuela e Dino - ou “se abster” negando o processo
eleitoral, só existem nesse momento pois não existe força acumulada do
movimento de lutas das.os trabalhadoras.es da cidade e do campo para um levante
ou insurreição para a tomada do poder ou no mínimo para criar condições para o
surgimento de uma alternativa eleitoral, empurrada e hegemonizada pela
radicalização da luta de classes, que seja vinculada a um projeto de reformas
estruturais ao estilo João Goulart ou Allende que poderia abrir caminho a um
processo de aprofundamento das contradições para uma ruptura de transição ao
socialismo.
O impossível só existe no dicionário dos tolos, mas entendo
ser muito improvável que ocorra uma radicalização da luta de classes esse ano que
viabilize em 2022 uma candidatura da esquerda revolucionária ou ao menos
hegemonizada por ela e, que identificada com esses movimentos reais da classe, possa
ser utilizada para alcançar a vitória no futuro.
Devido a essa realidade, a prioridade estratégica da
esquerda revolucionária deve ser que toda energia militante– que ainda é muito
pouca - seja focada na organização, mobilização e fortalecimento dos movimentos
de luta das.os trabalhadoras.es da cidade, do campo e da floresta e seus povos por
suas reivindicações na atual conjuntura e não em “movimentos táticos” que
apostem em se submeter aos projetos eleitorais da esquerda reformista que
teimam em apostar no asinismo eleitoral como única alternativa política fundamentada
na crença na volta de um Dom Sebastião.
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