O Limite
da Conciliação de Classes: entre a ilusão e a ruptura necessária
A conciliação de classes parte da ideia de que é possível
harmonizar os interesses da burguesia e do proletariado dentro de um mesmo
projeto de sociedade. No entanto, do ponto de vista marxista-leninista, essa
premissa é uma ilusão perigosa. A luta de classes é o motor da história, e não
há possibilidade real de equilíbrio duradouro entre exploradores e explorados.
Martha Harnecker apontava que “a política é a arte de tornar
possível o impossível”. Mas para a esquerda revolucionária, o “impossível” não
é a utopia pacificadora da conciliação, mas a superação do capitalismo por meio
da construção do socialismo. Tornar possível o impossível significa criar, em
meio à correlação de forças desfavorável, condições para o avanço do movimento
de lutas da classe e a transformação radical da sociedade.
Lenin foi categórico ao rejeitar a conciliação com a
burguesia. Para ele, os interesses de classe são irreconciliáveis. Qualquer
tentativa de harmonização apenas fortalece a dominação da classe dominante,
seja por meio do parlamentarismo burguês, do sindicalismo reformista ou da
cooptação de lideranças populares.
A experiência da Revolução Russa deixa isso claro. Os
mencheviques, que defendiam uma aliança com a burguesia liberal contra o
czarismo, fracassaram. Apenas os bolcheviques, que apostaram na independência
de classe e na organização dos sovietes, foram capazes de levar a revolução até
o fim. A conciliação seria a rendição.
Na América Latina, as experiências de conciliação também
mostraram seus limites. O governo de Salvador Allende, no Chile, tentou
realizar transformações estruturais dentro da democracia burguesa, mantendo
setores da burguesia nacional como aliados. O resultado foi o golpe militar de
1973, que esmagou o movimento popular e instaurou uma ditadura neoliberal.
Guardando as devidas proporções, outro exemplo emblemático é
o Brasil. Os governos do PT apostaram em alianças com setores do capital,
acreditando que poderiam governar para todos. Implementaram políticas sociais
importantes, mas não tocaram nos pilares do poder econômico. O golpe parlamentar
de 2016 mostrou os limites dessa estratégia: quando os interesses da classe
dominante foram ameaçados, a conciliação ruiu.
O Estado, como ensinou Marx, é um instrumento de dominação
de classe. Ele não é neutro. Em momentos de crise, revela sua verdadeira face:
repressiva, autoritária, a serviço do capital. A conciliação serve, nesse
contexto, para desmobilizar a classe trabalhadora e manter a aparência de
estabilidade.
A política de alianças, do ponto de vista
marxista-leninista, só é legítima se for tática, subordinada à estratégia da
revolução. Ou seja, pode-se fazer acordos temporários, mas sem nunca perder a
independência de classe e sem iludir o povo com promessas de reconciliação
permanente com os opressores.
Harnecker nos lembra que o papel da política revolucionária
é abrir caminhos onde só há bloqueios. Isso exige ousadia, criatividade e
organização. Não se trata de negar a correlação de forças, mas de
transformá-la. A política, nesse sentido, é uma luta consciente pelo avanço do poder
popular que só se concretiza na tomada do poder pelas trabalhadoras e
trabalhadores da cidade, do campo e das florestas.
Mesmo com muitas limitações, movimentos como o MST no Brasil
expressam essa ideia na prática. Em vez de esperar pela reforma agrária via
instituições burguesas, constroem assentamentos, escolas, cooperativas. É a
política revolucionária que cria o possível em meio ao impossível, a partir da
ação coletiva e organizada.
Na Venezuela, os governos de Chavez apostaram em ir além da
conciliação ao criar as comunas como base do avanço poder popular rumo ao
socialismo. Enfrentou a burguesia interna e o imperialismo, ainda que com
contradições. Essa tentativa de ruptura revelou tanto o potencial quanto os
limites da transformação dentro do Estado burguês que se hoje se acumulam nas
atuais contradições do Governo de Maduro.
A experiência cubana é outra referência. Lá, a revolução não
conciliou: expropriou a burguesia, rompeu com o imperialismo e construiu um
novo tipo de Estado. Foi a única forma de garantir conquistas sociais
duradouras. Mesmo com bloqueio e dificuldades, Cuba mostrou que é possível
avançar sem se render à lógica do capital.
Na prática, a conciliação serve muitas vezes como freio. Ao
invés de preparar o povo para a luta, gera desmobilização. Ao invés de formar
consciência de classe, reforça ilusões. É uma armadilha que transforma partidos
de esquerda em gerentes da crise capitalista.
A superação da conciliação exige clareza ideológica e
compromisso estratégico com a revolução. Isso não significa sectarismo ou
isolamento, mas firmeza de princípios. Significa construir uma política voltada
para os interesses históricos da classe trabalhadora.
O papel dos revolucionários é disputar o poder, não apenas
administrar a miséria. E para isso, precisam construir instrumentos próprios:
partidos, sindicatos combativos, frentes populares e classistas. Instrumentos
que não se confundam com os aparelhos da ordem burguesa.
É claro que a luta é desigual. O capital tem os meios de
comunicação, o aparato do Estado, o poder econômico. Mas a força do povo
organizado é transformadora. A história prova isso. O impossível só se torna
possível quando há coragem para romper com o que parece inevitável.
Como dizia Harnecker, não basta denunciar o sistema: é
preciso construir alternativas. Isso exige paciência estratégica, mas também
determinação. Exige entender que concessões táticas não podem se tornar
capitulações estratégicas.
A política revolucionária é, portanto, a arte de construir
poder popular em meio ao caos do capitalismo. De educar, organizar e mobilizar.
De avançar sem ilusões, com os pés no chão e os olhos no horizonte.
A conciliação de classes não é um caminho para o socialismo.
É, na melhor das hipóteses, uma pausa breve antes da próxima ofensiva do
capital. E na pior, uma armadilha que desarma o povo e fortalece os seus
inimigos.
Se quisermos tornar possível o impossível — um mundo sem
exploração — teremos que rejeitar a conciliação como estratégia. Só assim
construiremos uma política à altura do desafio histórico que enfrentamos.
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