Nem farsa, nem dogma: o marxismo-leninismo como raiz viva da revolução de Outubro
Por
Aurelio Fernandes
Dizer que o marxismo-leninismo é uma “farsa criada por
Stálin” é repetir um velho argumento anticomunista travestido de crítica. Essa
ideia ignora a história concreta e apaga o sentido revolucionário que o
leninismo deu ao marxismo, ao atualizá-lo diante das novas condições do
capitalismo — o imperialismo. Lenin não inventou uma doutrina à parte; ele deu
continuidade ao pensamento de Marx, levando-o à sua forma mais madura quando o
capitalismo deixou de ser concorrencial e se tornou um sistema mundial dominado
por monopólios, bancos e potências que dividiam o planeta entre si.
Com essa compreensão, Lenin desloca o centro da revolução.
Já não é mais apenas nas metrópoles industrializadas que o socialismo pode
nascer, mas justamente nos elos mais fracos da corrente imperialista, onde a
opressão é mais brutal e as contradições mais explosivas. A revolução deixa de
ser uma expectativa europeia e se torna uma possibilidade mundial. É o que
explica o triunfo na Rússia de 1917 e, depois, nas experiências revolucionárias
em países periféricos, coloniais e dependentes — que transformaram o
marxismo-leninismo em uma arma viva de libertação nacional: China, Vietnã,
Cuba, Coreia Popular, Angola, Guiné-Bissau e tantas outras nações.
Responder à acusação de que o marxismo-leninismo seria uma
“farsa stalinista” não deve significar silenciar as contradições do processo
soviético. Analisar criticamente a burocratização e as distorções do socialismo
real é, na verdade, reafirmar a força do método leninista, que rejeita qualquer
fetichismo do Estado e defende a hegemonia política das massas. O
marxismo-leninismo se fortalece quando se assume autocrítico e aberto à
renovação revolucionária.
Negar o leninismo é negar o processo histórico que fez do
marxismo uma teoria verdadeiramente universal. É insistir num marxismo de
gabinete, preso à Europa, incapaz de compreender que a luta de classes se
expressa também como luta contra o imperialismo. O leninismo libertou o
marxismo do eurocentrismo e abriu caminho para que o pensamento revolucionário
florescesse nos territórios coloniais e dependentes.
No entanto, é preciso reconhecer que a universalização do
leninismo não foi linear nem homogênea. O que se chama de “marxismo-leninismo”
em diferentes partes do mundo é o resultado de processos criadores e complexos,
em que cada povo adaptou os princípios fundamentais da teoria à sua realidade
concreta. Essa dialética entre continuidade e renovação é o que manteve o
leninismo vivo e fecundo, evitando que se transformasse em dogma.
Na América Latina, ele foi decisivo. Desde a Revolução Russa
de 1917, o leninismo serviu de bússola para as esquerdas que buscavam
compreender a realidade concreta da Pátria Grande. O PCB, fundado em 1922, e o
movimento comunista latino-americano já nasce sob essa influência. Foi a partir
desse legado que o leninismo inspirou gerações de organizações revolucionárias:
o MIR e a FPMR no Chile, os Tupamaros no Uruguai, as FARC e o ELN na Colômbia,
as FAR e o ERP na Argentina, a POLOP e a ALN no Brasil e, de forma exemplar, o
Movimento 26 de Julho e o Partido Comunista de Cuba.
Essas várias experiências, contudo, expressaram caminhos
distintos e até contraditórios da tradição leninista. Algumas enfatizaram a
ação armada e o papel da vanguarda; outras buscaram combinar a luta pela
libertação nacional e o socialismo com a com a organização das massas
trabalhadoras e o desenvolvimento de sua consciência política e capacidade de
ação coletiva. Um marxismo-leninismo realmente vivo precisa reconhecer essa
diversidade e extrair dela lições estratégicas, não apenas reafirmar um modelo
abstrato de revolução.
Foi nesse caldeirão da luta de classes latino-americana que
as novas gerações de revolucionários — enfrentando ditaduras, o imperialismo
norte-americano e as burguesias locais — resgataram esse legado leninista e o
colocaram em diálogo com a experiência própria do continente. Desse processo
surgiu a Teoria Marxista da Dependência, formulada por pensadores como Ruy
Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio dos Santos.
A TMD é, em essência, a aplicação criadora do leninismo em
chave latino-americana. Ela parte da análise de Lenin sobre o imperialismo como
fase superior e mundializada do capitalismo e demonstra que, nas formações
dependentes, o subdesenvolvimento não é atraso a ser superado, mas produto
estrutural da inserção subordinada das economias periféricas no sistema
imperialista. Assim como Lenin mostrou que o imperialismo concentra o poder
econômico e político nas mãos de poucas potências, Marini e seus companheiros
demonstraram que essa lógica se expressa na América Latina pela superexploração
do trabalho, que articula a dominação externa com a exploração interna.
A Teoria da Dependência, nesse sentido, reformula o
leninismo de modo criador: amplia o campo de análise, incluindo sujeitos
revolucionários que vão além da classe operária industrial, e aprofunda a
compreensão da luta anti-imperialista como parte da luta de classes global.
O marxismo-leninismo foi, e continua sendo, a força teórica
que permitiu aos povos oprimidos da América Latina e do mundo pensarem e agirem
como sujeitos da revolução. Sem ele, não haveria Vietnã, não haveria Cuba, nem
toda a rica tradição de resistência que formou gerações de militantes em todo o
mundo.
Como afirmou Ho Chi Minh, “o leninismo é o sol que ilumina o
caminho da libertação dos povos oprimidos”. Esse sol, porém, só brilha enquanto
sua luz se move com a história, iluminando as novas contradições do nosso
tempo.
O leninismo não foi uma farsa criada por Stálin; é a
continuidade viva do marxismo, transformando-o de teoria europeia em estratégia
mundial de emancipação. É por isso que o atacam: porque foi o
marxismo-leninismo que deu aos trabalhadores e camponeses da Ásia, da África e
da América Latina a certeza de que podem — e devem — dirigir seu próprio
destino.


Comentários
Postar um comentário