O Marxismo Leninismo é um Mausoléu? A Necessária Escolha Entre Lênin e o Sectarismo Doutrinário...

por Aurelio Fernandes

Se há algo que Lênin ensinou com clareza — além da necessidade de um partido revolucionário, da ditadura do proletariado e da insurreição — é que a esquerda deve saber distinguir entre inimigos de classe e adversários no duro e necessário debate político entre lutadores e lutadoras da classe. Mas parece que, para alguns, essa distinção passou ao largo dos estudos. Especialmente quando o assunto é o Brasil: país onde o capitalismo se passa sobre o genocídio indígena, a escravidão negra e a exploração desenfreada da classe trabalhadora. Um território onde qualquer análise séria exige um mínimo de contato com a realidade concreta — como fizeram Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marini, que ousaram pensar o marxismo a partir da luta de classes na periferia.

É nesse contexto que Nildo Ouriques, autoproclamado guardião da ortodoxia, da Teoria Marxista da Dependência e da “revolução brasileira”, surge acreditando ser o último zelador de um mausoléu teórico. Sua intervenção recente contra Jones Manoel — que, ironicamente, está na trincheira da luta popular, enfrentando o fascismo nas escolas, nas periferias, nos sindicatos e nos parlamentos — soa menos como crítica marxista e mais como um ataque à dialética em nome de um sectarismo doutrinário, profundamente enraizado numa lógica eurocêntrica.

Afinal, quem precisa ser defendido? Jones, que dialoga com Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento e Clóvis Moura — pensadores negros, brasileiros e revolucionários, cuja obra nasce da resistência concreta? Ou Nildo, que diante desses nomes faz cara de quem acabou de cheirar algo podre no banheiro do Departamento de Economia e Relações Internacionais?

Mas calma: Jones Manoel não precisa de um zagueiro. De jeito nenhum. Isso seria reproduzir o mesmo sectarismo emocional que denunciamos. O que me move é uma preocupação muito mais nobre: ​​contribuir para a defesa do marxismo-leninismo como método vivo, contra o revisionismo acadêmico que o transforma em ritual litúrgico, praticado por intelectuais que se recusam a ler o mundo para além das paredes de seus departamentos universitários.

Vamos aos fatos, com a frieza científica que o materialismo histórico exige.

Primeiro: dizer que “o Brasil tem racismo, mas não é racista” é o equivalente marxista a afirmar que “o capitalismo tem crises, mas não é contraditório”. É negar a reprodução social do modo de produção capitalista. É fingir que o racismo não é um pilar estrutural da acumulação primitiva e contemporânea no Brasil. Será que Nildo acredita que o latifúndio escravocrata virou cooperativa camponesa por decreto divino? Que o operariado negro das periferias é apenas uma “versão colorida” do proletariado inglês de 1848?

Segundo: chamar as cotas de “migalhas” é um luxo típico daqueles que nunca tiveram que provar que merecem estar numa universidade. Para Nildo, parece, a revolução começa só depois que todos os livros foram lidos corretamente — inclusive os que ele próprio ainda não leu. Enquanto isso, Jones Manoel entende o óbvio: que as cotas são uma conquista democrática-burguesa, sim, mas que, como toda reforma progressista, serve de trincheira. Lênin defendeu o Parlamento como via principal da revolução? Não. Mas disse claramente que era necessário usá-lo para educar, agitar e mobilizar as massas. Pois é. Parece que Jones leu esse trecho. Nildo, aparentemente, pulou.

Terceiro: desprezar o pensamento negro revolucionário é, no mínimo, um erro estratégico. Na realidade, é traição ao internacionalismo proletário. Porque se o marxismo-leninismo tem alguma força, é justamente por ter saído da Europa e se tornou arma de libertação nacional em Angola, Vietname, Cuba e Guiné-Bissau. Mas, claro, para quem reproduz o eurocentrismo — ainda que o negue no discurso — o grito de um quilombo ou o verso de um samba de resistência não são “teoria suficiente”.

E então vem a cereja do bolo: acusar Jones Manoel de “revisionista” por buscar unidade na luta com setores populares ainda hegemonizados pelo reformismo, por defender o uso do parlamento para denunciar os limites da sociabilidade capitalista, por articular luta de classes e opressões raciais... Como se a unidade da classe trabalhadora dependesse de sua homogeneização ideológica, e não de sua capacidade de abraçar todas as formas de opressão que o capitalismo impõe.

Ora, Lênin combateu o “esquerdismo, doença infantil do comunismo”, justamente porque sabia que o purismo doutrinário é irmão gêmeo do isolamento. E hoje, enquanto o fascismo avança nas escolas, nas igrejas e nas redes sociais, Nildo Ouriques prefere gastar munição ideológica atacando quem está na linha de frente. Não seria mais produtivo, camarada, se você usasse essa energia para superar seu ressentimento teórico? Ou será frustração por não conseguir ser um agitador tão presente nas redes quanto Jones Manoel?

Portanto, repito: não defendo Jones Manoel. Defendendo o método. Defendendo a dialética. Defendendo a análise concreta da situação concreta que é a alma viva, a essência do marxismo leninismo — e não num cálice sagrado de dogmas desencarnados. Defendo que o marxismo-leninismo não pode ser limitado a um manual de estilo para intelectuais brancos que acham que falar de raça é “desvio identitário”.

Jones pode até ter defeitos. Pode errar. Pode ser criticado. Mas ao menos ele está em movimento. Está na contradição viva da luta de classes. Enquanto isso, Nildo parece ter encontrado refúgio num marxismo-morto — aquele que, ironicamente, nega a própria essência do materialismo histórico: a mudança.

Salve-se quem puder. Mas, por favor, pare de enterrar o marxismo com a pá de cal do sectarismo e do maniqueísmo ressentido. O que está em jogo não é a imagem de um militante, mas a vitalidade de uma arma teórica: o marxismo-leninismo, vivo, combativo e capaz de se reinventar nas periferias, nos quilombos, nas ocupações e nas salas de aula onde professores como Jones seguem resistindo e lutando pela revolução brasileira.

 

 

 

 

 

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